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Creta – a minha ilha grega

Creta - Creete

Como usei o Workaway para trabalhar na Grécia

Depois de várias tentativas de arrumar um trabalho voluntário, um pessoal da Grécia, na ilha de Creta, me aceitou para ajudá-los na colheita de azeitonas.

Os encontrei através do Workaway, um site que faz a ponte entre pessoas que querem trabalhar em troca de hospedagem e as pessoas que oferecem os serviços. Já falei sobre esse assunto aqui no blog.

Fiz uma busca por lugares na Grécia, me interessei pelo lugar e proposta deles e mandei um email pelo site mesmo. Através dos emails combinamos dia e horário.

Cheguei de avião de Atenas e como combinado fiquei esperando eles chegarem no aeroporto de Heráklio, pior que não tinha foto deles, nada. Só sabia que o Giannis era casado com a Monika e era pai do Myron, que é quem contactava as pessoas no Workaway.

Depois de quase uma hora aguardando, liguei para o telefone do Giannis. Nada. Liguei para o telefone do Myron. Nada. Pronto fudeu! Tomei bolo e vou ter que arrumar lugar de última hora pra ficar.

Tentei o celular da Monika e daí ela me atendeu, disse que ouve uma confusão e se eu poderia pegar um ônibus até um hospital e de lá me levariam até a fazenda. Esperando na porta do hospital chega o Giannis. Pergunta se eu sou o brasileiro, confirmo e seguimos no carro até a fazenda dele. O lugar onde eles moram se chama Ano Kalesia e é uma vilinha a 12 km de Heráklio e próximo a cidade de Gazi.

O Giannis é um cara bem simpático, com o inglês tão capenga quanto o meu, fomos conversando no carro, dirigido pelo vizinho que até o momento eu não sabia quem era.
Para os padrões brasileiros o que eles têm nem é fazenda, tá mais para uma chácara bem pequena. É que na Grécia, em geral mas especialmente em Creta, não existem grandes fazendeiros com milhares de hectares como no Brasil. A maioria são terras pequenas de 2 ou 3 hectares e as vezes nem isso, como onde o Giannis mora.

Só depois fui saber que eles tem outras terras espalhadas, todas pequeninas, e que isso também é comum na Grécia, mas mesmo somando as outras terras, não dá nem 3 hectares.

Depois de me apresentar a todos o Giannis me mostrou meu quarto. De longe o melhor quarto de toda a viagem. Uma suíte super arrumada com uma vista espetacular! Não precisava de mais nada. Ele perguntou se eu queria descansar por causa da viagem e falei que não, que já tava pronto pra trabalhar. Troquei de roupa e fui.

Após meses em hostels finalmente um quarto só pra mim!
Creta - Creete
Fala sério! Além de uma suíte só pra mim ainda tem uma sacada com uma vista dessa?! Maravilhoso!

Eles estavam fazendo uma base de concreto para colocar um tanque de inox para armazenar azeite. Azeite e vinho são os principais produtos da região. Já cheguei jogando pedra na betoneira, carregando carriola de concreto, já fui mostrando que não tava pra brincadeira!

Na festa do Raki

O fato é que desde o primeiro contato fui muito bem recebido por todos. A família do Giannys e o pessoal da vila é muito gente boa.
A parte boa é que depois da concretagem e alguns tira gosto, veio o rango e pra minha alegria era feijão! Sim, fazia quase 3 meses que eu não comia feijão e veio uma panelada de feijão branco deliciosa.

Dei uma baita sorte também pois no dia da minha chegada era o dia de fazer o Raki! Raki é uma bebida destilada de uva, muito parecida com a Grappa italiana. No dia em que fazem essa destilação também fazem uma baita festona para comemorar.

Então cheguei bem no dia da festa. A festa acontece no próprio lugar onde é destilado o Raki. Nesse dia se reuniram 3 produtores para fazer o Raki, cada um chama mais alguns amigos, que levam um prato de comida cada um (mas acho que levaram uns 5 cada), vinho, música, dança é uma bela festa!

Raki em Creta. Raki Creete
Para fazer o Raki eles usam o resto da produção do vinho. Primeiro fervem o mosto que restou nessa caldeira aí.
Raki em Creta. Raki Creete
Depois o vapor passa por essas serpentinas imersas em água para resfriá-lo e voltar ao estado líquido.
Raki em Creta. Raki Creete
O resultado final é o Raki. Eu provei esse que sai e é alcool puro, não dá pra tomar não. É preciso aguardar um tempo para o alcool dissipar até o líquido ficar no ponto. É muito gostoso.
Raki e festa em Creta
Os quitutes gregos e vinho produzido nas fazendas.

Vida de fazendeiro

No dia seguinte e no resto da semana, meu trabalho se resumiu a ajudar o Myron a alimentar os animais. Eles criam galinha, cabra, ovelha e porco.

A Grécia, por falta de espaço, pelos terrenos sempre montanhosos e pelo clima seco, é caro e complicado criar gado, então a carne mais comum são desses animais, porém a realidade é que eles não comem muita carne. Do tempo que fiquei em Creta, comemos carne 2 vezes por semana, isso porque tenho certeza que colocaram mais carne na dieta por minha causa.

“Tá olhando o quê forasteiro?” Tô olhando a janta!

Quando disse que no Brasil, o prato do dia a dia é feijão, arroz, uma carne, geralmente boi, frango ou peixe, e uma salada a pergunta da Monika foi: Mas vocês comem carne todo dia? E a segunda foi: Mas vocês comem arroz com feijão todo dia?

Realmente após passar mais de 20 dias em Creta e comer uma variedade enorme de pratos, principalmente pratos vegetarianos, vi como a dieta mediterrânea é boa. O caso é que os pratos vegetarianos eram deliciosos. Não sentia falta de carne.

O principal para os pratos vegetarianos serem tão bons é que os legumes e verduras eram todos da própria fazenda. Eram colhidos no dia, eram todos frescos. Outra coisa é que a Monika é ótima cozinheira.

E outra coisa ainda é que eles entopem tudo com azeite. Numa outra conversa disse como o azeite no Brasil é caro e por isso usamos pouco, basicamente na salada, e que meio litro de azeite no Brasil dá pra um mês. Um mês?! Ela ficou espantada! Aqui pra gente meio litro dá pra 2 dias. E não é modo de dizer não. Só cozinham com azeite. Só fritam no azeite. Na mamadeira do bebê: azeite! Soltar aquele parafuso que não sai de jeito nenhum? Taca um azeite nele! KY pra quê? Um azeitinho resolve.

Outra coisa interessante é que eles não eram uma família de fazendeiros. O Giannis é engenheiro e a Monika é professora. Há 20 anos o Giannis cansou da vida em Atenas e decidiu que o melhor para ele e a família era morar no campo. Comprou um terreno em Creta e veio com a mulher e os filhos pequenos para cá. Viveram 2 anos num quarto e cozinha, um bom tempo desses anos sem luz elétrica e foram construindo a casa aos poucos.

E foram plantando e com paciência aguardando até que as oliveiras dessem frutos, que as videiras dessem boas uvas sempre com a idéia de uma agricultura natural, pois não tinha esse papo de orgânico ainda.

Eles não estão preocupados em crescer no mercado, em ter marcas, em exportar azeite pro mundo. Eles produzem alimentos saudáveis, primeiro para o próprio consumo e depois para vender produtos de qualidade. A preço justo para quem tenha inteligência de comprar.

A Monika é alemã, ela conheceu o Giannis quando ele foi fazer doutorado de engenharia na Alemanha. O Giannis é meio revolucionário e me contou que quando morava na Alemanha, ainda dividida, foi a Berlim várias vezes, e gostava de ir a Berlim Oriental para ver como funcionava o comunismo. Pra ver se era melhor que o lado capitalista ocidental.

E ainda mantém uma postura anti capitalista, não por ideologia partidária ou coisa parecida, mas porque o capitalismo mudou o jeito das pessoas se relacionarem, transformando todos em meros consumidores e afastando umas pessoas das outras.

Onde tudo é preciso crescer, dar mais lucro, ganhar mais dinheiro. A cultura do mais, mais e mais. Ele não queria isso e resolver mudar de vida. Depois da grave crise grega de 2009, muitos gregos passaram a concordar com ele e quem pôde fez esse caminho de volta ao campo.

O caminho que o homem estava a mais de 10.000 anos e que o século 20 inverteu totalmente, transformando as cidades em mecas de consumo, idolatradas como lugares fantásticos e transformando o interior de todos os países em lugares menosprezados e desrespeitados. E isso está cada dia mais insustentável e por isso precisa mudar. E eu gosto disso.

Colhendo azeitona

Primeiro dia de colher azeitona! Como eles mantém essa idéia de uma agricultura natural, para colher as azeitonas eles utilizam uma máquina que não prejudica a planta, diferente da agricultura de massa, que corta todos os galhos junto com azeitona, separa as azeitonas para o azeite e os galhos usam como lenha.

Só tem um problema, quando você tá utilizando essa máquina voa azeitona pra tudo quanto é lado. E você lá usando a máquina e de repente toma uma azeitonada na cara! Ainda bem que levei meus óculos escuros que serviu de óculos de proteção. Após retirar todas as azeitonas do pé, recolhe as azeitonas que caíram nas redes e ensaca as danadas. Nesse primeiro dia, em 4 pessoas, ensacamos 17 sacos de 60kg. Nada mau para um iniciante hein?!

Colhendo azeitona na grécia
Pai e filho trabalhando juntos. Bonito.
Colhendo azeitona em Creta na Grécia
Eu colhendo azeitona com essa escova de cabelo gigante e esquisita. As que tentavam fugir eu pegava com a cara mesmo.
Azeitonas
O fruto do nosso trabalho: azeitonas verdinhas que iriam virar um azeite de primeira.

Aprendendo o que é um bom azeite

Depois ainda fui com o Giannis até a fábrica que processa as azeitonas para produzir o azeite. Os sacos são jogados numa máquina que faz tudo de uma vez. Separa as folhas, prensa a frio e separa o óleo do resto.

O que sobra é vendido para outros países (lá o maior comprador é a Itália) que com processos químicos extraem um segundo óleo de baixa qualidade. O pagamento à fábrica é feito com o próprio azeite num sistema de permuta. Os maiores compradores do azeite deles são os alemães.

Eu como todo brasileiro acreditava em vários mitos sobre azeite: que o bom é com pouca acidez, que ele tem que ser transparente, que os melhores são espanhóis e portugueses. Tudo errado! O bom azeite é acima de tudo, fresco, deve ter uma ardência característica que pega um pouquinho na garganta, ele é turvo pois não é filtrado e fica com resíduos se deixar parado um tempo. Todo o resto é puro marketing.

O azeite que ajudei a produzir, que tá na foto abaixo, foi sem dúvida o mais saboroso que já provei na vida. Se encontrar algum com essas características pode comprar que com certeza vai ser muito bom. Só não vai ser barato.

Azeite grego direto da fazenda em Creta
Um exemplo de excelente azeite. Verde escuro, denso, turvo. Quando se prova ele é levemente picante, pega um pouquinho na garganta e é muito, mas muito saboroso. Um espetáculo!

Nos dias seguintes minha rotina quando não íamos colher as azeitonas foi: de manhã ajudar o Myron com os animais. Recolher os ovos das galinhas e alimentá-las, ajudar para ordenhar as cabras, recolher o esterco dos animais e colocar na compostagem. Isso não levava muito tempo então umas 10 da manhã já tava liberado. Então aproveitava para conhecer um pouco mais da ilha.

Creta na Grécia
Alimentando o alimento
Compostagem em Creta na Grécia
Eles não usavam fertilizantes então faziam compostagem com todo o esterco dos animais. Ta aí a área de compostagem onde eu jogava a merda toda.
Fazenda em Creta na Grécia
Os cães cuidavam para que eu fizesse tudo certo
Kiara de olho em mim e nas galinhas, que ela atacava de vez em quando e deixava os donos putos. Aqui ela tá dando um migué.

Rodando por Creta

Fui até Gazi, a cidade próxima onde tem praia, não é das mais bonitas da Grécia mas deu pra curtir e pegar um solzinho. Outro dia o Giannis me deixou em Agia Pelagia, uma bela praia de águas azuis.

Praia de Gazi em Creta na Grécia
A praia de Gazi. Não é das mais bonitas mas ainda assim a água era limpa e azul.

Como era novembro e já estava começando a ficar frio a praia estava completamente vazia. Só tinha eu na praia. Daí decidi dar um mergulho. A água tava fria mas até que dava pra encarar. Daí que olho na areia e vejo um tiozinho parado em frente as minhas coisas na areia e me olhando.

Achei meio estranho mas fiquei lá curtindo o mar. Só que ele não saía do lugar. Ficou lá me marcando. Fiquei meio intrigado. O que esse tiozinho quer? Saí da água e foi só chegar perto pro tiozinho puxar assunto. Claro que ele não falava nada de inglês e meu grego é tão bom quanto o meu chinês. Mas na mímica deu pra entender que o tiozinho tava admirado de eu ir nadar naquela época. Fez uns gestos que tava frio, se eu não tava com frio de nadar. Pelo jeito ele achou que eu era um escandinavo ou russo que toma aqueles banhos em lagos congelantes.

Agia Pelagia em Creta
O escandinavo pegando um sol em Agia Pelagia.

Outro dia tentei ir a famosa praia de Mátala. Lugar onde uns hippies decidiram morar nas grutas feita pelos homens das cavernas lá nos anos 60. Até o Bob Dylan foi fumar um por ali.

Só que não consegui. Eu comprei a passagem certinha. Peguei o ônibus certinho, até confirmei com um cara que controlava a entrada no ônibus. Fiquei umas 2 horas no busão e daí pára numa outra praia.

Fui falar com o motorista e daí que ele me explica que como já estávamos em novembro o ônibus não seguiria para Mátala. O quê?! E só agora que me avisam? Que porra é essa? Como me venderam o bilhete para Mátala então? O fato é que o motorista não tinha culpa mesmo, o bilheteiro é que me vendeu errado. De Heráklio não daria para eu ir direto para Mátala, teria que ir para outra cidade e de lá pegar outro ônibus.

Creta
Aqui é Mátala? Não! Nem vamos para lá! Ah seu fiodaput…

Ele disse que poderia me deixar nessa outra cidade mas só ia ter ônibus as 2 da tarde!  Não ia conseguir fazer nada e ainda teria que dormir lá. Que merda! Falei para ele que preferia então voltar e receber o dinheiro de volta.

Ele disse que tudo bem mas teria que seguir o horário dele, no caso esperar umas 2 horas. Sem alternativa fiquei nessa praia mais ou menos esse tempo pra depois levar mais 2 horas até Heráklio.

Na rodoviária me devolveram o dinheiro mas acabei sem conhecer Mátala e ainda perdi o dia.

Caminhando pelos campos cretinos (ou cretenses?)

Numa das minhas folgas decidi ir até uma vilinha relativamente próxima, Agios Myronas, no topo de uma colina. Tive que andar uns 10 km mas valeu a pena, a estrada até essa vila tem as mais belas vistas do interior de Creta. Confere aí embaixo pra ver se eu tô mentindo.

Creta na Grécia
Toscana? Não, Creta!
Creta na Grécia
Como toda a Grécia, Creta só é lembrada por suas praias mas o seu interior guarda paisagens maravilhosas.
Cemitério em Creta na Grécia
Na caminhada até Agios Myronas dei de cara com esse cemitério. Fala se não é uma vista de matar! Tu-dum-tishhh
Agios Myronos
A bonita vilinha de Agios Myronos.

E ainda deu tempo de eu ir em mais uma produção de Raki. Dessa vez foi num lugar um pouco mais tranquilo, até o equipamento era mais roots.

Raki em Creta na Grécia
Mais um lugar que faz Raki. Aqui um pouco mais roots. Na foto ele está tapando a boca da caldeira com uma pasta de farinha para não escapar o vapor.

Por fim, após 20 dias tive que me despedir da minha família grega. Foi maravilhoso passar esses dias com essa família tão especial. Fiz e aprendi coisas que nunca imaginava, e principalmente conheci de verdade outra cultura, outra realidade e essa foi uma das principais causas dessa viagem. Ver e conhecer o mundo e as pessoas que nele vivem.

Grécia
Giannis e seu neto Marco

Muito obrigado Giannis. Monika, Myron, Georgia seu filhinho Marco e todos os amigos gregos que compartilharam seu dia a dia e vida comigo. Serei eternamente grato.

Eferaristô!

Monika, Giannis e Jorge Cruney! Minha família grega. Obrigado por tudo!