Manaus – Todo dia… era dia de índio
Rio Amazonas
Não lembro exatamente quando, mas achei que navegar pelo rio Amazonas, entre Manaus e Belém, seria uma grande experiência.
Fui amadurecendo a idéia e depois que decidi que iria subir o Brasil ao invés de descer, vi que uma viagem de barco entre Belém e Manaus demora cinco dias, pois se está navegando contra a corrente.
Achei muito tempo e decidi cortar caminho e peguei um avião até Santarém, de onde pegaria um barco rumo a Manaus.
O aeroporto de Santarém é até engraçado de tão simples, se visse aquele aeroporto antes de pousar, diria que nunca linhas regulares pousariam lá, tamanho a cara de rodoviária do aeroporto, que diga-se de passagem estava sendo reformado há 2 anos (segundo o taxista).
Cheguei em Santarém totalmente despreparado para essa viagem de barco. Eu precisava de uma rede, pois não existe no barco e não alugam.
Precisava comprar a passagem (só tinha uma viagem por dia e se perdesse teria que dormir em Santarém) e não tinha a mínima idéia de como resolver tudo isso.
Não sabia nem como sair daquele aeroporto.
Depois de comer um negócio pra enganar a fome, perguntando pra atendente ela me confirmou o que eu já desconfiava, só dá pra sair daquele aeroporto de táxi.
Saindo pra procurar um, me aborda um sujeito com cara de traficante de órgãos e se dizendo taxista. Me faria um preço bom para me levar até as docas, só cinquenta reais! O quê?! Disse que os outros cobravam 70.
Não sei porque mas confiei no traficante de órgãos e fui com ele. O caso é que durante o trajeto falei pra ele da minha viagem e de tudo o que precisava resolver para pegar o barco.
E não é que esse cara me ajudou com tudo? Foi comigo até o lugar onde vendem rede, me disse que eu ia precisar de uma corda, pois as redes variam de tamanho e nem sempre é possível pendurar diretamente nos ganchos.
Me levou até a bilheteria para comprar a passagem e ainda indicou um lugar para almoçar antes do embarque.
E que era bom comprar comida pois a do barco é cara e não muito boa. Até que o traficante de órgãos era gente boa.
Sobre a viagem o que posso dizer é que é muito legal. É fascinante viajar por esse rio e se surpreender com aquele mundo de água.
Em cima do barco tem um bar que fica tocando tecno brega o tempo todo. É curioso ver as vilinhas alagadas pois viajei na cheia e esse ano foi um dos que mais choveu e os níveis subiram acima do normal.
O barco vai flutuando suave rio acima e faz paradas em algumas cidades para descarregar suprimentos.
Sempre que o barco pára é invadido por vendedores ambulantes vendendo frutas, pães, queijo. Não importando a hora.
Paramos em Parintins e comprei queijo coalho e pão desses ambulantes. Foram 2 dias vendo a floresta passar ao lado do barco.
Dois dias de preguiça e dormindo na rede. Só não curti o banheiro que era ruim. De resto é uma viagem muito bacana.
No balanço da rede
Manaus
Cheguei em Manaus também despreparado, não tinha hostel, tinha esquecido que lá o fuso é de uma hora a menos e pra piorar o pessoal de lá é péssimo pra dar informações.
Taxista não sabe o que é hostel, albergue, onde tem internet. Parece que ninguém sabe nada naquela cidade.
Depois de conseguir um bom hostel (por incrível que pareça consegui o melhor hostel de toda a viagem, com ótima localização e estrutura). Fiz um tour pelo centro da cidade, conheci o Teatro Amazonas e contratei um pacote para a selva de 4 dias.
Com direito a 2 noites dormindo acampado lá. Á noite ainda deu tempo de provar o tacacá no tucupi, uma sopinha com camarão e jumbu, uma planta que amortece a boca quando é mastigada. Gostoso mas nada demais.
Claro que provei também vários sorvetes de frutas amazônicas e um sanduíche de tucumã com presunto e queijo, muito bom!
Reserva do Juma
O nosso guia seria o Osmar, um índio que cresceu na aldeia mas com 18 anos resolveu ir para a cidade para aprender português.
Depois entrou para o exército, se formou em geologia, mas acabou sendo convidado para ser guia.
Largou o exército, aprendeu inglês e até hoje é guia.
Na floresta ficamos num lodge, um hotel na beirada do rio. Ficamos na reserva do Juma. O lugar não é totalmente isolado. A cada um, dois km, tem um outro hotel ou alguma família de ribeirinhos.
Nesse pacote de floresta estavam inclusos vários passeios, o primeiro deles foi pelo próprio rio Juma, pelos Iguapós, as árvores que ficam submersas e dali é possível ver preguiças, pássaros e macacos.
Na verdade, na Amazônia mais se ouve do que se vê, pois é difícil avistar animais, primeiro porque são de hábitos noturnos e segundo porque nessa época a floresta está alagada e seria preciso entrar adentro da floresta para ver alguma coisa.
Depois de levar umas galhadas na cabeça voltamos ao lodge. Tava quente demais e o Osmar me falou que eu podia nadar no rio. Olhei desconfiado e perguntei se ali não tinha piranha, jacaré.
E ele me garantiu que não. Confiei e nadei despreocupado nas águas da amazônia. Muito bom.
Acampando na selva
Naquela mesma noite fomos para nosso acampamento na selva. Chegamos de barco numa área, já preparada para isso, com uma cabana pronta.
Estávamos eu, o Osmar, uma mulher da Nova Zelândia e um Coreano. Chega lá e o Osmar nos faz cortar lenha pra nos sentirmos os verdadeiros exploradores da floresta.
E eu só queria um ar condicionado.
Depois de cortar a lenha, e me divertir com o Coreano cortando a lenha todo desengonçado, o Osmar colocou um frango no fogo e teríamos que aguardar assar.
Tava um baita calor, aquilo ia demorar muito, então eu disse que devíamos ter levado uma cervejinha. No que o Osmar disse que tinha um bar por ali e poderíamos ir.
Pra quê, em cinco minutos já estávamos com uma cervejinha gelada na mão brincando com os filhos dos ribeirinhos.
Depois de um tempo manguaçando, voltamos para a nossa janta, o Osmar nos preparou um arroz, fez na faca uns talheres com caule de planta e os pratos com folhas presas com espinhos. Coisa chique. E o frango ficou bom pra caramba.
Agora dormir na selva, é uma roubada! A mata é totalmente fechada, é muito abafado, úmido, parece que você está numa sauna.
Pelo menos dos mosquitos dá pra fugir pois as redes tinham mosquiteiro. Lá pra umas 2 da manhã acordei, todo suado.
Tava uma lua cheia, dava pra ver bem a floresta e sinceramente começou a me dar um cagaço.
De vez em quando fazia uns barulhos estranhos, uma hora fez um puta barulhão vindo da água e eu jurei que um jacaré ia invadir aquele acampamento e devorar todo mundo.
Pela manhã começa um barulho dos macacos, um zumzumzum lá longe, e a passarada cantando. É ao mesmo tempo lindo e assustador. Ali se tem a certeza que se você se perder no meio da floresta é morte quase certa. Não é coisa pra turista se aventurar sem um guia ali não.
O Osmar nos preparou um café e umas bolachas que ele havia levado e voltamos para o lodge.
Demos uma descansada de manhã e a tarde fomos pescar piranha. Fomos para um lugar específico, não conseguimos nada e daí o Osmar nos levou para um outro que ele falou que ia ter.
Quando chegamos no lugar olhei ao redor e estávamos a uns 100 metros do Lodge. Pertinho daonde eu nadei! Tem piranha em todo rio da Amazônia, aqueles pilantras me enganaram!
Depois fiquei sabendo que as piranhas não são perigosas, eles também nadam na água, pois as piranhas só ficam no fundo e perto das árvores, onde nadei não tinha perigo nenhum.
E nem aqui na Amazônia consegui pegar piranha. Só pagando. Igual em São Paulo.
No dia seguinte íriamos fazer uma “excursão” pela selva. Era mais uma voltinha.
Entramos na mata, andamos um pouco o Osmar nos explicou sobre plantas, como bater numa raiz enorme para pedir socorro, pois ela faz um barulhão batendo da maneira certa.
Tirou um verme do casco de uma árvore e ofereceu pra eu comer. Eu comi e tinha gosto de côco. Ninguém mais comeu. Depois descobri que os ribeirinhos comem esse verme no churrasco, enfiam os vermes num bambuzinho bem fino e assam. Deve ficar bom.
Nisso fomos atacados por marimbondos gigantes. É sério! Uns baita marimbondos de uns 5 cm cada.
E o pior é que um desses me picou bem na bunda. Olha a situação, vou pra selva e levo picada na bunda, que é isso…
Foi todo mundo para o hotel e a noite íamos dormir na selva de novo. De novo a mulher da Nova Zelândia, um suíço, um israelense, um inglês e eu.
Na hora do almoço o Osmar me chamou de canto e falou pra eu ir com ele num aniversário que ia ter. Claro que eu não ia perder um churrasco na selva!
Muito legal chegar no lugar e ver um estacionamento de barcos. Na Amazônia as crianças não ganham bicicleta, elas ganham um barquinho bem pequeno que só dá pra dois.
Os que têm um motorzinho são os mais top. Nesse caso que era uma festa tinha barquinho, barco normal, lancha. Tava cheio.
Fomos muto bem recebidos, tomamos muita breja, comi carne, Tucunaré assado, Tambaqui assado, curti pra caramba mas fiquei meio bêbado. O Osmar também.
Voltamos para o lodge e ainda tomamos mais uma antes de ir pra selva. Chegando lá fizemos a mesma coisa do outro dia, o Osmar colocou os gringos pra cortar lenha, acendeu o fogo, colocou dessa vez um tucunaré para assar e pra passar o tempo fomos pro bar na selva.
Dessa vez nem tomei nada pra não ficar chapado de vez, mas o Osmar tomou. E quando voltamos pro acampamento o índio tava bebaço. Tava até enrolando a língua.
Eu como amigo do cara e para ajudar na situação resolvi ajudar nos preparativos do jantar, virei o peixe e fui tentar fazer os talheres como ele. Um desastre.
O que eram uns talheres bonitos feito pelo Osmar, pareciam uns galhos mastigados feito por mim. Ainda fiz o arroz, pelo menos o peixe ficou muito bom.
Todo mundo comeu com os talheres bizarros que eu fiz e o primeiro a ir dormir foi o Osmar que ficava numa outra barraca.
O pior foi no dia seguinte que o índio acorda com cara de ressaca, não prepara café da manhã porque esqueceu de levar e fica rodando com a gente pelo rio um tempão. Bem que ele me disse que o negócio de índio era curtir a vida.
Á noite foi a hora de caçar jacaré, já recuperado da ressaca o próprio Osmar que iria pegar os répteis pelos colarinhos.
Eu pensava que íamos a algum lugar onde os jacarés já estavam presos e lá observar, pegar um pequeno na mão, mas não.
Com uma lanterna na testa daquelas de explorador de caverna, o Osmar encantava os bichos como ele fala, com a luz eles ficam paradinhos e num movimento rápido é possível pegá-los.
Logo de cara o Osmar pegou um e jogou na minha mão. Lutando pela minha própria vida, enforquei o monstro até ele ficar paralisado. Após isso mostrei a todos os outros que ficaram impressionados com a minha habilidade.
Passei mais uma noite no lodge e pela manhã fiz o caminho de volta para Manaus e de lá de volta para São Paulo.
Mochilar pelo Brasil foi uma das melhores coisas que fiz na minha vida, foi uma viagem muito reveladora do Brasil, muito divertida e me preparou para a minha volta ao mundo.
Que comece então!
Próxima parada: Marrakesh