Nova Delhi – o baque indiano
Para chegar a Nova Delhi passei por uma provação. Da Capadócia fui a Istambul, aguardei 12 horas no aeroporto, peguei um voo até Dubai e fiquei mais 14 horas esperando meu voo para Delhi. Tudo isso sem dormir e ver os muçulmanos com aquelas roupas tradicionais praticamente tomarem banho na pia do aeroporto com direito a um lavar a cabeça do outro e o pé na pia.
Cheguei de madrugada em Nova Delhi só o bagaço, para minha surpresa o aeroporto de Nova Delhi é muito bonito. Tapete pelos longos corredores. Fui obrigado a pegar um táxi e a vista da cidade de madrugada já não me agradou. Mas eu estava um bagaço e só queria um banho e dormir. No hostel o atendente me disse que eu teria que aguardar até as 7 da manhã para o check in, retruquei que pagaria uma diária a mais e que arrumassem um quarto pelamordedeus. Foi só pagar tudo que minha caminha estava lá. Tomei um banho e capotei.
Acordei lá pra uma da tarde. Comecei a conversar com o pessoal do quarto, um americano e um indiano que estava ali a trabalho e saímos para almoçar.
No restaurante o indiano disse que era um dos melhores restaurantes vegetarianos de Nova Delhi, achei um pouco de exagero pois não era uma coisa assim luxuosa mas depois de passar um mês na Índia vi que ele tinha razão. O restaurante era limpíssimo, com garçons uniformizados e ambiente agradável, bem diferente do que encarei depois.
Fazer a primeira refeição na Índia com um indiano foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Ele explicou para a gente cada prato, como comer, para pedir Lassi doce (tem o salgado) para cortar a ardência, e até que aquele grãozinho pós refeição era para tirar o bafo (aqui a gente usa bala). Eu amei a comida, super saborosa, temperada, com alguma coisa ardida pra caramba mas nada absurda. Virei fã.
Após nosso almoço o americano precisava comprar um pendrive e fomos procurar nas ruas próximas. E aí meus amigos que começou meu problema com Nova Delhi. Apenas um dia antes eu estava fazendo trilhas pela Capadócia, com paisagens deslumbrantes e barulho só do vento.
Em Delhi o que eu via era uma massa de pessoas barulhentas, lixo espalhado e o barulho infernal das buzinas. Os indianos não dão seta, não respeitam sinal, não páram. A única coisa que usam para sinalizar qualquer coisa é a maldita buzina. De todas as coisas loucas da Índia isso da buzina foi o que mais me incomodou.
Caminhando pelas ruas de Nova Délhi foi onde pela primeira vez a palavra caos urbano fez todo o sentido para mim. Para um paulistano que cresceu ouvindo que São Paulo tem um trânsito cáotico, ali no meio daquela multidão zanzando pelas calçadas quebradas, lixo e ruas cheias de carros, pedestre, tuk-tuk, motos, riquixás, bicicletas, ônibus, todos buzinando incessantemente, eu ri! Ri da nossa prepotência paulistana. Trânsito caótico em São Paulo? Sabe de nada inocente. Olha uma amostra:
Depois que ele comprou o pendrive decidimos voltar para o hostel, dois recém chegados que mal dormiram encarar as ruas indianas seria um desafio muito grande. O hostel tinha um bar, o que era ótimo pois na Índia não vende bebida em qualquer lugar. Fiquei ali relaxando um pouco, conversando um pouco e mais tarde fui dormir, ainda tava só o pó e precisava me recuperar para o outro dia.
Templo de Lótus
Acordei novo, tomei o chá da manhã, me concentrei no desafio que estava por vir e saí rumo ao Templo de Lótus. Ia de metrô, bastava andar uns 10 minutos até a estação. No metrô, para comprar o bilhete, conheci in loco a famosa fila indiana.
Na verdade a fila indiana é uma fila normal onde um encoxa o outro para que ninguém corte a fila. Eu fiquei meio ressabiado, olhando para trás, acho que perceberam que eu não era de lá e até que não “buliram ni mim”. Para entrar na plataforma, outra fila monstra. É que é preciso que todas as pessoas passem por um detector de metais. Sim! Todas as pessoas passam uma a uma por um detector de metais. Imagina essa estação na hora do rush! Depois de um atentado a bomba no metrô, decidiram por essa política, que apesar de bem intencionada, cria mais caos para essa cidade.
Chegando no templo decepção: estava fechado! E o pior é que tinha que estar fechado pois fecha de segunda feira. Era segunda feira? Depois de tanta espera no aeroporto, jetlag, dormir, acordar, nem sabia que dia era, vacilei e não conferi isso. Fiquei ali fora desolado, tirei umas fotos de longe e quando tava voltando para a estação eis que surge uma figura muito próxima a todo viajante pela Índia: um tuk-tuk.
Eu nem queria tuk-tuk mas ele ficou me seguindo, com as minhas negativas foi baixando preço, pediu por favor, sinceramente me senti mal por ele. Falou que me levaria ao Portal da Índia por 30 rúpias que achei muito barato, mas para ajudar aceitei. Foi um erro. No meio do caminho ele me falou que iria me levar para um lugar, que eu poderia comprar roupas muito baratas e tal. Daí na hora me lembrei de uma conversa no hostel, os tuk-tuk fazem muito isso ali.
Eles ganham para levar turistas a lojas, ganham comissão ou por turista que levam. Por isso a corrida tão barata, me levar nessa loja garantia uma grana. Daí eu avisei a ele que não ia comprar nada, que não adiantava me levar que ele não ia ganhar comissão mas daí ele me disse que ganhava só de me levar, eu não precisava comprar, só entrar. O que que eu podia fazer? Acabei indo na loja, eu até compraria umas camisetas pois estava precisando mas o preço era absurdamente alto para a Índia. Não comprei nada, o cara do tuk-tuk ganhou uma graninha, eu perdi meu tempo mas ganhei experiência em saber como lidar com tuk-tuk.
Porta da Índia
A Porta da Índia é um monumento nacional em memória a soldados indianos mortos em todas as guerras. É um arco do triunfo. Foi construído durante a colonização inglesa e toda a idéia é muito ocidental. Depois de passar um mês na Índia vi que esse tipo de monumento não tem muito a ver com a cultura indiana.
Fica num bonito parque, longe dos carros, da sujeira por isso os moradores de Nova Delhi gostam bastante do lugar. Toda a região foi planejada, é cortada por grandes avenidas e uma elas dá direto na casa oficial da presidência. Ficar ali, andar pelos jardins, foi um momento de paz.
Daí eu decidi que valeria a pena caminhar pela cidade. Eu achei que já estaria acostumado. Ledo engano. Além das buzinas que atormentavam, toda hora um tuk-tuk se aproximava tentando me levar.
Chegou uma hora que eu nem respondia, para eles entenderem bem que estavam perdendo seu tempo. Mas a sujeira, as buzinas, a bagunça toda foi minando minha vontade de flanar pela cidade. Vi onde era o metrô mais próximo e voltei pro hostel correndo.
Quem for a Índia a primeira vez vai ouvir essa pergunta de outros viajantes: É sua primeira vez na Índia? Quando eu comecei a conversar com o pessoal do hostel sobre essa minha experiência esssa pergunta veio. E hoje, depois de ter passado um mês na Índia essa pergunta é muito válida. As primeiras impressões na Índia, principalmente em grandes cidades indianas é muito difícil. Mochilando então é um desafio.
A Índia é um mundo à parte, complexo, cheio de ambiguidades, coisas que não fazem sentido e injustas. Também é um mundo de beleza, de gentileza e sabedoria. Mas você não sabe onde cada uma destas coisas estão. Você fica com um sentimento de perplexidade, revolta, compaixão, raiva, alegria, mudando num piscar de olhos e isso leva tempo para assimilar. A Índia nos mostra a vida como ela realmente é: cinza. Nada é preto e branco. Tudo é misturado e sem controle. A Índia nos lembra da luta perdida que travamos em dar sentido e ter controle da vida mas isso é impossível.
Talvez por isso o primeiro contato com a Índia seja um baque. É a primeira vez na Índia? Sim. Então respira fundo, se acalme e aceite. Daí sua viagem começará a fazer sentido.
Voltei ao hostel, tomei umas cervejas, respirei fundo e decidi que não iria ficar mais em Nova Delhi, não aguentava mais ficar ali. Se é para aceitar preciso ir onde os indianos colocam seu coração. Pesquisei e encontrei uma passagem aérea barata. Dia seguinte eu iria para Varanasi, a cidade onde os indianos vão para aceitar. Aceitar a morte.